ESPECIAL ‘DOZE’: Falhamos todos! As (meias) verdades que nunca saberemos da Vila Moisés
ESPECIAL ‘DOZE’: Falhamos todos! As (meias) verdades que nunca saberemos da Vila Moisés
Desde segunda-feira (15/2) o Aratu Online veicula reportagens especiais sobre o “Caso Cabula”. Com esta, publicada hoje, são seis.
Seis histórias de ‘Doze’.
MEIA dúzia de ‘Doze’.
Sim, falhamos. Ficamos no MEIO do caminho.
Aqui cabe a mea culpa. Só alcançamos MEIA das verdades que aconteceram naquele fatídico 6 de fevereiro de 2015. Naquela noite, 12 tombaram após suposto confronto com o Batalhão Rondesp Central — das Rondas Especiais da Polícia Militar da Bahia.
Muito da fracassada tentativa vem do ‘silêncio dos inocentados’. Aqueles que, mesmo absolvidos pela Justiça, não quiseram falar sobre o que de fato aconteceu naquela noite. A Secretaria de Segurança Pública, a juíza que absolveu os militares, a Polícia Militar… Todos se calaram.
O silêncio também persegue os parentes das vítimas. Mas é uma mudez diferente. Que deriva do medo.
Na primeira parte da série, fomos até a Vila Moisés entender os efeitos daquela tragédia que completou um ano. DOZE meses de sofrimento. São várias referências sutis e gritantes que mostram que os 88 tiros disparados naquela comunidade abriram chagas fatais. Incuráveis.
O número de igrejas neopentecostais cresceu no bairro; os moradores temem mostrar o rosto e se escondem à simples aproximação de uma câmera fotográfica. Os que aceitam falar apenas o fazem na garantia do anonimato.
À sombra, abrem o verbo: “Foi uma hora e meia de tiro de relógio. Só tiro. Tiro e mais tiro. Depois começaram os gritos. ?Tem alguém vivo aí??. Os feridos se mexiam pedindo socorro. Mas eram os policiais que perguntavam. Eles chegavam e, à queima roupa, atiravam naqueles que estavam caídos”, diz um dos homens que presenciou aquilo que nomeia de “chacina”.
Veja vídeo:
LEIA AQUI A PRIMEIRA PARTE DE DOZE: Os medos, traumas e origem da Vila Moisés, o palco da tragédia em Salvador
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A segunda parte do especial contou os dramas e demônios encarados pelo promotor de Justiça Davi Galo. Ele é o homem que tenta mudar o roteiro da absolvição dos policiais envolvidos na operação.
No dia 26 de julho, de forma célere, a juíza substituta Marivalda Almeida Moutinho absolveu os militares, em primeira instância, por entender que agiram em legítima defesa. Prevaleceu, aos olhos da Justiça, a versão que no coração da Vila Moisés um grupo de traficantes planejava explodir um terminal bancário naquela noite que terminaria em banho de sangue. A inteligência da polícia teria interceptado a ação e antecipado a investida.
Os disparos teriam começado por volta das 2h da manhã. Morreram DOZE. Três ficaram feridos e um policial levou um tiro de raspão, na cabeça (teve alta no mesmo dia).
Morreram naquela noite: Adriano de Souza Guimarães, 21 anos; Jeferson Pereira dos Santos, 22; João Luís Pereira Rodrigues, 21; Bruno Pires do Nascimento, 19; Vitor Amorim de Araújo, 19; Tiago Gomes das Virgens, 18; Caique Bastos dos Santos, 16; Evson Pereira dos Santos, 27; Agenor Vitalino dos Santos Neto, 19; Natanael de Jesus Costa, 17; Ricardo Vilas Boas Silva, 27; e Rodrigo Martins Oliveira, de 17 anos.
Os policiais inocentados foram: subtenente Júlio César Lopes Pitta, o sargento Dick Rocha de Jesus e os soldados Robemar Campos de Oliveira, Antônio Correia Mendes, Sandoval Soares Silva, Marcelo Pereira dos Santos, Lázaro Alexandre Pereira de Andrade, Isac Eber Costa Carvalho de Jesus e Lúcio Ferreira de Jesus.
“Negros e pobres geralmente são as vítimas em 90% dos casos. E não é um discurso demagogo. É uma realidade da qual não podemos nos afastar e uma realidade absoluta. A vítima é sempre negro e pobre?, diz o promotor Davi Gallo.
LEIA AQUI A SEGUNDA PARTE DE DOZE: O canto do Gallo, o homem que tenta mudar o roteiro final dos julgamentos no atentado da Vila Moisés
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A terceira reportagem ouviu o único representante da polícia que aceitou falar para esta série. O ex-deputado estadual Capitão Tadeu (PSB), liderança histórica ligada à corporação, foi o único que não se furtou de ser entrevistado.
Via assessoria de imprensa, tentamos o secretário de Segurança Pública do estado, Mauricio Barbosa. Jamais obtivemos resposta. A Polícia Militar, na figura do Capitão Bruno, também nunca respondeu sobre a possibilidade de agendar um encontro.
Tadeu foi enfático e irredutível em uma das suas declarações sobre a função da polícia. “A função policial é estar nas ruas lidando com o lixo da sociedade. Aquilo que a família não educou, que o Estado não educou (…). Quem esta lá para limpar o lixo é o policial”, disse.
LEIA AQUI A TERCEIRA PARTE DE DOZE: O argumento da legítima defesa e o discurso que o policial ?está lá para limpar o lixo?
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A quarta reportagem especial da série entrevistou Hamilton Borges, presidente do grupo ‘Reaja ou será morta. Reaja ou será morto’. Em um gesto simbólico, o grupo passado pôs, em agosto, uma lápide no campinho de futebol onde a maioria dos Doze foram mortos.
Diante da derrota jurídica em primeira instância, Borges diz que tem apelado em instâncias internacionais para forçar um novo julgamento dos envolvidos.
“O caso já está na Organização dos Estados Americanos (OEA), Organização das Nações Unidas (ONU). Não acabou! Vamos continuar buscando o devido processo legal. Não estamos buscando vingança ou prisão sumária. Estamos buscando o devido processo legal que diz a necessidade dos réus se defenderem”, diz.
LEIA AQUI A QUARTA PARTE DE DOZE: A estratégia de internacionalizar a tragédia para forçar um novo julgamento dos envolvidos
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A quinta parte relembra declarações ditas à época da tragédia. No calor do momento.
O governador Rui Costa (PT), à época recém empossado, usou uma metáfora futebolística para tentar explicar a ação policial. “É como um artilheiro em frente ao gol, tem que decidir em alguns segundos como é que ele tenta botar a bola para dentro do gol?, disse.
A frase ganha ainda mais força por um detalhe: a maioria dos 12 jovens mortos foram atingidos dentro de um campinho de futebol.
Os parentes das vítimas tiveram inspirações bem menos literárias. Mais choro que palavras definem, por exemplo, o relato de Dona Marina, avó de Natanael de Jesus Costa, de 17 anos, um dos mortos no atentado.
Ela chorou a morte “do seu amor”. Daquele que “lavava suas roupas” e “cuidava de mim”, diz, sem conter os soluços.
LEIA AQUI A QUINTA PARTE DE DOZE: O estranho silêncio dos ?inocentes? ? Mesmo absolvidos pela Justiça policiais se negam a falar sobre atentado
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A série foi pensada inicialmente para ser lançada no exato dia que se completaria um ano dos disparos na penumbra da Vila Moisés. Mas não foi possível. O 6 de fevereiro deste ano caiu no sábado de Carnaval. Os decibéis da folia abafaram a dor dos familiares.
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O barulho sufocou o silêncio.
Há verdades que nunca serão descobertas.
E, enquanto há aqueles que lutam para que ela venha à tona, outras trabalham para que continue soterrada.
À margem.
Por anos.
Por meses.
Por Doze.
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Os textos da série Doze foram escritos, em ordem de reportagem, por: André Uzêda, Diorgenes Xavier, Jean Mendes, Heloísa Gomes e Dinaldo dos Santos.
A edição dos vídeos é de Daniel Teixeira e Rodolfo Ribeiro.
A arte da série de Nestor Carrera. E fotos André Uzêda.