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Ela superou a execução da irmã, além das mortes do pai e da mãe: a história da jovem que é responsável por quatro "menores"

A vida nunca foi fácil para Ruana Ferreira da Silva, que tem um filho. Mesmo com todas as dificuldades, ela conseguiu uma casa para toda a família morar, com a ajuda da Defensoria Pública da Bahia.

Por Beatriz Bulhões

Ela superou a execução da irmã, além das mortes do pai e da mãe: a história da jovem que é responsável por quatro "menores" arquivo pessoal

Ruana Ferreira da Silva fará 18 anos no próximo dia 29 de abril, mas o que ela quer ganhar não é um carro novo porque passou no vestibular ou aulas na auto escola. A menina, órfã, deseja apenas mais tranquilidade para cuidar do seu filho Levy, de um ano e meio, e das próprias irmãs: Ruane, 15, Raiane, 13, e Evele Vitória, 5. 


A triste história dessa família começou no momento em que o pai das três meninas mais velhas se separou da mãe quando ainda eram crianças e foi morar no interior. Elas foram informadas, tempo depois, que ele teria cometido o crime de estupro e havia sido morto, mas nunca ficaram sabendo realmente do paradeiro do genitor.


A mãe delas, que ergueu sozinha um barraco no bairro de São Marcos, morreu em junho de 2018, vítima de tuberculose. Ruane tinha outra irmã, de 21 anos, mas foi executada a tiros em maio de 2020. O pai de Evele está vivo, mas a irmã mais velha conta que ele raramente aparece, nunca assumindo criação ou o pagamento de pensão.


"Foi um sufoco. Perdi minha mãe, não tenho pai, minha irmã mais velha morreu, a única que ajudava a gente, e, abaixo de Deus, fiquei eu pelos meus irmãos, porque não tem quem ajude", desabafa. Além de lutar para estudar, trabalhar e tomar conta das irmãs, a casa onde elas moravam também não era tranquila. "O barraco molhava, alagava, não tinha sossego pra dormir. Era muito mosquito, cobra entrando, sapo, muito bicho", conta.


CASINHA NOVA 


Mesmo menor de idade, ela assumiu a responsabilidade para si e entrou na fila para receber uma moradia do "Minha Casa, Minha Vida" - programa do Governo Federal que entrega imóveis para pessoas de baixa renda -. Foi contemplada, mas nenhuma das irmãs poderia assinar o contrato do apartamento por terem menos de 18 anos. 


A Defensoria Pública do Estado da Bahia foi acionada pela Secretaria Municipal de Infraestrutura e Obras Públicas (Seinfra) para que tentassem a emancipação de Ruana Ferreira e ela conseguir um apartamento para morar.


O caso foi acompanhado de perto pela então assistente social da Instituição, Daiane Barreto. A profissional explica que, à época, a jovem não tinha telefone próprio e precisava mandar recados por um líder comunitário. "Eu pedi autorização para ir in loco, pois entendi que o caso era bastante complexo e, de perto, pude compreender a dinâmica da família. Todos moravam em condições ruins”, lembra.


A assistente social destaca que, apesar de ser muito jovem, Ruana assumia a responsabilidade da família, guardava todos os documentos das irmãs e do filho, incluindo cartão de vacinação, bem como se apresentava ao posto de saúde para tratar das demandas de todos. "Eu pensei que nem ia ganhar o apartamento, por ser de menor, mas graças a Deus consegui ganhar o apartamento ta tudo bem aqui, eu, minhas irmãs e meu filho", agradece Ruana.


Ruane conta que tem parentes maternos, mas eles nunca se envolveram na criação. A própria decisão de se emancipar para cuidar das meninas foi posta em dúvida. "Tem muita gente que abandona seus irmãos, independente do que seja, abandona e quer ser livre... e eu não. Os povo ficou besta (sic) porque eu sou de menor e eu peguei meu irmão. Se fosse outra, botava no conselho tutelar, mas eu não, eu quero meus irmãos todos perto de mim", defende.


Raiane, a segunda na "hierarquia", de 13 anos, diz que a irmã mais velha não é muito mandona. "Ela briga muito, mas é gente boa. Uma pega uma coisa da outra, briga, mas depois fica de bem", respondeu, rindo. A reportagem do Aratu On conversou, em vídeo, com as jovens, sob autorização da Defensoria Pública. Assista, em vídeo: 






MÓVEIS


Além de serem donas do próprio apartamento, elas também ganharam móveis. Ruane, que conseguiu ter um quarto só dela, ganhou a cama e o guarda-roupa para o seu quarto. No outro quarto, das três menores, as meninas receberam doações de duas camas de solteiro e um guarda roupa.


O restante da casa elas pretendem comprar aos poucos. Ruane conseguiu comprar uma geladeira usada por R$ 100 e um fogão. Na sala, por enquanto, há um espaço vazio, sem sofá ou televisão, apenas um rádio antigo. O botijão ela ganhou antecipado de aniversário, a ser comemorado no dia 29 de abril.



PRÓXIMOS PASSOS 


Todas elas estudavam, mas tiveram as aulas interrompidas por conta da pandemia da Covid-19. Ruane fazia o 6º ano. "Eu quero voltar, tô querendo colocar meu filho na creche e voltar a estudar. E trabalhar também, porque meu Bolsa Família foi bloqueado, aí nem tem como ter alguma coisa de comida pros meus irmãos", promete.


O dinheiro do auxílio emergencial, que recebe por ser mãe, é o que usa para comprar as coisas da casa. "O dinheiro que eu ia pegar eu ia comprar uma televisão, mas eu pensei que meus irmãos iriam ficar com fome, comem toda hora... nem tem como comprar uma televisão. Mas quando fui sacar, apareceu bloqueado. E como eu sou 'de menor', alguém da família tem que ir, mas minha família não ajuda", explica.


"É um sufoco, né, fazer o quê. Só Deus. Antes de eu ganhar o apartamento eu pedi tanto a Deus que eu ganhasse e Deus me deu, fiquei tão alegre, chorei... Chega pulei de alegria! Quando entregou a chave e a moça ainda falou que eu ganhei as coisas do quarto, eu chorei. Porque eu nunca tive nada, uma cama nova e um guarda roupa...", conta. 


A redação do Aratu On se solidarizou com a história de Ruana e criou uma vaquinha de aniversário para ela. Como a jovem ainda não possui conta, nossa repórter ficou responsável pela quantia e iremos entregar diretamente para ela e suas irmãs.


Acompanhe todas as notícias sobre o novo coronavírus.


*Sob supervisão do editor, Jean Mendes 


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