Cultura

MITO CRISTÃO: O Natal como início da caminhada de Jesus em sua ‘Jornada do Herói’ pela salvação

MITO CRISTÃO: O Natal como início da caminhada de Jesus em sua ‘Jornada do Herói’ pela salvação

Por André Uzêda

MITO CRISTÃO: O Natal como início da caminhada de Jesus em sua ‘Jornada do Herói’ pela salvaçãoReprodução

A pretensão não é que venham destas as decisivas e irrevogáveis linhas sobre a história de Jesus. Não por um exercício de humildade renitente. O oposto disso, a arrogância audaciosa, sequer entra em discussão. A história de Cristo precisa ser repetida milhões de vezes, à exaustão, como parte da mitologia que se configura presente. Nunca virá de um post ordinário, de uma notícia casual ou mesmo um livro enciclopédico qualquer coisa que possa valer definitivo — um ponto final nesta composição recontada há 2016 anos.


O mito cristão pode ser lido por diferentes prismas. Longe de extremos, entre a cegueira religiosa e o muxoxo cético, este texto pende seu alicerce no conceito da Jornada do Herói. Uma teoria estruturalista, também chamada de ‘Monomito’, elaborada pelo antropólogo norte-americano Joseph Campbell (1904-1987).  Em seu livro seminal sobre a teoria (‘O herói de mil faces’), Campbell exemplifica os meandros das narrativas religiosas e aponta semelhanças nas construções monoteístas ao forjar um herói trágico, messiânico — o único capaz de dar a vida para nos salvar e redimir.


O modelo narrativo do Judaísmo, do Islamismo, do Candomblé, do Budismo e mesmo as histórias ficcionais contadas pela Indústria Cultural — tais quais Star Wars, Senhor dos Anéis, Harry Potter, Matrix — seguem exatamente as mesmas estruturas das fases, dos arquétipos e ritos de passagem. O ponto aqui não é negar a existência de Cristo como personagem histórico e nem seus feitos e milagres atribuídos. Mas, sim, apontar as opções adotadas pela Bíblia para construir a mitologia na trajetória de Jesus como um herói predestinado à salvar a humanidade.


A Jornada do Herói, de Campbell, pode ser descrita em 12 passos. Em todos eles é possível identificar elementos enfatizados no Novo Testamento (parte da Bíblia que se dedica à trajetória de Cristo). Vale lembrar que o antropólogo americano não criou estes ritos. Ele as identificou desde as primeiras histórias contadas pelo homem. Desde os sumérios, passando pelas lendas babilônicas, a santificação dos egípcios, a capacidade bélica dos persas e a racionalidade dos gregos.


Ao longo do tempo, as histórias se repetem seguindo a mesma estrutura narrativa justo porque reproduzem nossos próprios ritos individuais de passagem: o nascimento; a infância para a adolescência; a adolescência para a fase adulta; a fase adulta para a velhice. Morremos e renascemos em cada etapa. Tal qual Cristo.


A repetição, com seus mitos fundadores, garante a imortalidade da lenda. Nesta ilustração abaixo é possível entender os 12 passos na transformação do herói até sua jornada derradeira.


jornada


Nas próximas linhas vamos destacar as 12 etapas da Jornada do Herói e relacionar com passagens bíblicas no arco de três personagens: Maria e José (num arco menor e mais contido) e Jesus (aquele que nasceu predestinado e escolhido para, em sua jornada, salvar o mundo). Veja os principais pontos:


1 – Mundo Comum


A primeira etapa da Jornada do Herói é a vida no mundo comum. Um local sem nada de muito extraordinário onde as pessoas moram reproduzem seus hábitos cotidianos. Mesmo sendo o filho de Deus, Jesus ganha vida numa manjedoura, um espaço humilde. Ele nasce, porém, predestinado. Uma estrela cadente guia três reis magos que aguardam para presenteá-lo. Heredotes, o rei de Israel, havia promovido um infanticídio (matando milhares de bebês) ao saber do anúncio da chegada do filho de Deus na Terra.


2 – O chamado à aventura


Na vida de Cristo, este chamado aparece de diferentes formas na Bíblia. Desde seus primeiros milagres (como transforma água em vinho) às suas parábolas. No entanto, como estamos no período natalino, neste rito, vamos focar no arco narrativo de outro personagem religioso: Maria. É ela que recebe o chamado do anjo Gabriel, o mensageiro que anuncia que — mesmo virgem — ela será portadora do filho de Deus. Gabriel representa o arquétipo do mensageiro, enquanto Maria assume a figura da heroína que está convidada a viver uma grande aventura.


3 – Recusa ao chamado


Por medo da avaliação do marido, o carpinteiro José, o pedido de Deus assusta Maria. Ela chega a pedir provas de que o anjo é mesmo um emissário divino. José mostra relutância em aceitar o desafio e o casal se inclina a recusar a jornada imposta a eles.


 


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4 – Encontro com o mentor


O anjo Gabriel volta para conversar com José e convencer a família da importância da missão reservada a eles. Por intermédio da graça do Espírito Santo e pelo poder de Deus, o anjo entra no sonho de José e o convence da importância de ser o pai de carne e osso do menino Jesus. Maria também aceita o desafio de, mesmo imperfeita, gerar um filho de Deus.


5 – Cruzando o limiar


Neste estágio, relata Campbell, é quando o herói aceita o desafio que lhe é imposto e começar a aceitar as mudanças que a trajetória farão em sua vida. Maria inicia seu processo de santificação quando aceita gerar, em seu ventre, o menino Deus. Ao mesmo tempo, José muda sua condição de simples carpinteiro ao dizer “sim” ao pedido do Senhor. Já adulto, Jesus peregrina no deserto para encontrar a palavra divina e inicia sua pregação para salvar os humanos dos pecados.


6 – Testes, aliados e inimigos


A Bíblia é repleta de referências a inimigos e aliados de Cristo. João Batista (primo de Jesus), Simão (aquele que carrega a cruz ao seu lado) e, claro, os 12 apóstolos são seus aliados. Judas, quando o trai por moedas de ouro, e o demônio representam os inimigos. No arco de José e Maria, na representação do Natal,  o rei Heredotes é o inimigo que quer matar a criança ainda no útero de Maria.


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7 – Aproximação da caverna profunda


Este é o momento de maior popularidade do herói. É quando começa a ser aceito por muitos e vê sua popularidade ganhar forma. Este momento pode ser representado na Bíblia quando Cristo faz o milagre da multiplicação dos pães em meio aos famintos. Seu retorno à Jerusalém, nos ombros de um burro, sendo acolhido por uma multidão, é também um destes registros de catarse. Cristo voltava para ser julgado pelos tribunais judeus, mas, antes disso, é reverenciado pelo povo em festa com o retorno do herói.


8 – Provação


A provação é o momento em que o herói passa pelos maiores perrengues. Ele terá sua primeira batalha contra o mal e enfrentará seus maiores medos. Na vida de Cristo, pela Bíblia, pode ser simbolizado pelo julgamento e, posterior, condenação de Cristo no tribunal em Jerusalém.


9 – Recompensa


A recompensa por Cristo ter enfrentado o julgamentoé seu momento particular com Deus. Ele primeiro recusa sua condição de herói e rebaixa sua missão, conforme consta no Salmo 22. “Deus, meu Deus. Por que me desamparaste?”, diz. Resignado, em seguida, retoma o posto e num ato de difícil entrega perdoa seus agressores (Lucas 23:34). É ali que pronuncia a célebre frase “Perdoai-vos, pai. Eles não sabem o que fazem”. Antes de morrer na cruz, Cristo vence as tentações do demônio e entrega a si mesmo para salvar a humanidade.


cristo


10 – Estrada de volta


A estrada de volta é o caminho que o herói percorre após ter enfrentado o grande desafio. Aqui, Jesus está morto. Então, o caminho de volta é feito pelos apóstolos que sepultam seu corpo e choram pela perda do grande líder que guiava seus caminhos.


11 – Ressurreição


Na Jornada do Herói, Campbell trata a ressurreição como um acontecimento simbólico. Ou seja, ele descreve como o momento em que o herói passa a ser outro após ter enfrentado o grande desafio. É uma metáfora para as mudanças que nós mesmos passamos. Quando deixamos de ser crianças matamos o lado infantil que vivia na gente e assumimos uma postura mais adulta. Depois de uma grande experiência (seja traumática ou catártica) sempre voltamos diferente ao mundo. Na religião cristã, a ressurreição é literal. Três dias após sua morte, Jesus volta em forma de luz e ascende aos céus ao lado de Deus, seu pai.


12 – Retorno com o elixir


O elixir, na cultura grega, é um produto de poderes mágicos que contém bases medicinais para salvar enfermos. É novamente uma metáfora na Jornada do Herói. Significa a grande recompensa que o herói recebe após completar sua jornada. Na Bíblia, o convencimento da fé em Deus e a conversão de milhares de fieis no modo de vida de Cristo, após seu sacrifício em terra, é o elixir de Jesus por ter enfrentado o demônio e as provações impostas pelos homens.


renascido


 


Para os que creem — e mesmo aqueles os que não –, o arco narrativo de Cristo é uma história repleta de simbolismo e pequenos ensinamentos de perseverança, coragem e entrega aos desafios. Além de inspirar novos recomeços. O próprio natal é um simbolismo do renascimento. Um signo posto do recomeço.


Portanto, feliz novo ciclo.


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*Publicada originalmente às 8h


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