QUEBRANDO TABUS: Casal masculino disputa concurso de forró por prêmio e contra preconceito
QUEBRANDO TABUS: Casal masculino disputa concurso de forró por prêmio e contra preconceito
Gosta de forró? Se sim, faça um exercício. Imagine um casal dançando. Música do mestre Luiz Gonzaga tocando ao fundo. Quem são as pessoas que vem à sua mente? Quais personagens compõem esse quadro? Se o seu modelo ideal é formado por um homem e uma mulher, repense. Essa é a ideia do fotógrafo e professor de dança, Marcos Vinícius Ribeiro e do estudante de direito Júlio Viterbo, ambos de 27 anos. Essa dupla, formada por dois homens, é a grande novidade do II Concurso de Forró do Center Lapa, cuja final terá início às 14h deste domingo (18/6). Lá, os amigos querem pintar com novos passos e tintas outro jeito de dançar e, mais do que isso, de pensar a dança.
O projeto começou a ganhar forma no ano passado, quando Marcos, que na oportunidade fez par com uma mulher, ficou em segundo lugar na primeira edição da disputa. ?Eu não vi nenhum casal de mulheres, nem de homens participando, e essa é uma bandeira que eu defendo dentro das minhas aulas na dança, de sempre desconstruir essa ideia dos papéis. Há alguns anos que eu não uso mais termos como dama e cavalheiro. Porque a gente percebe que, no forró, ainda existe uma reprodução muito grande do machismo e por sermos dois homens participando, a gente quebra essa questão dos papéis?.
E quem seria o par ideal? Certamente alguém que já está acostumado a se permitir e explorar todas as facetas e personagens que a dança oferece. Alguém que ?já começou das duas formas?, como brinca Júlio. Mas Marcos explica que esse não é o único motivo. ?Além disso, Julinho é uma pessoa com quem eu danço há algum tempo. Há cerca de um ano eu passei a querer ser conduzido, porque acredito que é algo que melhora minha dança?, complementa.
Na opinião dos dois, essa tradição do forró, que reserva ao homem um papel dominante e enxerga a mulher como parte secundária do processo, nada mais é do que uma reprodução atrasada dos mesmos conceitos que ainda imperam na sociedade. Por isso mesmo, eles fizeram questão de se expor despidos de preconceitos, sem interpretar personagem pré-estabelecidos:
?A gente também quis mostrar que, na inversão de papéis, você não precisa ser caricato, estereotipado. Não preciso trazer um trejeito dito afeminado. Eu não preciso imitar uma mulher dançando. Eu sou um homem sendo conduzido. A gente trouxe isso na nossa dança?, aponta Marcos. ?Você não muda quem você é. Você apenas está assumindo um papel naquela dança, mas isso não altera os seus jeitos, suas preferências?, explica Júlio.
Confira vídeo da apresentação do casal na primeira fase do concurso:
Eles também questionam o mito de que o grande papel na dança é do condutor. ?Quando você vai para o outro lado, percebe que não é bem assim, que a pessoa que está sendo conduzida tem tanta importância quanto quem está conduzindo e que precisa saber dançar tão bem quanto pra ser conduzida?, conta Marcos.
Contudo, deixam claro que a iniciativa não é ideia deles. ?Não é algo novo, que a gente inventou. Isso já existe há muito anos, mas a gente ainda não tinha isso, pelo menos que eu saiba, em um concurso. A gente trabalha na aula, mas quando vai pra uma apresentação de forró, por exemplo, sempre os papéis são retomados?.
E a recepção do público durante a fase preliminar do concurso foi extremamente positiva. ?Alguns têm aquele estranhamento, outros têm uma recepção calorosa. Na apresentação, o público em geral foi bem caloroso. Eu senti que eles acolheram bem a ideia, claro que sempre com aquela surpresa. A gente está trazendo algo que é diferente. Sempre tem um choque, mas a galera vibrou muito, elogiou a dança e a iniciativa?, diz Júlio.
E nesse universo que envolve dança, arte, entrega, quebra de preconceitos e tabus, a dupla explica que não apenas o questionamento ao machismo está em jogo. ?Até por eu ser gay, encaro isso como uma forma de eu ser ativista para o movimento LGBT. A ideia é incluir outras pessoas, de outros gêneros, para que elas possam fazer parte de um movimento que é cultura, que é daqui, que é do Nordeste e que eu acho que pode agregar todo mundo?, pondera Júlio.
?Acaba entrando nessa questão porque, Julinho é gay, eu sou hétero, mas ali não existe isso. São dois corpos dançando. Apesar disso, eu reconheço o meu lugar de privilégio. Eu sou branco, hétero e estou levantando algumas bandeiras que, no fundo, não são minhas?, reflete Marcos.
O resultado inicial de tudo isso será conhecido hoje, durante a final do concurso. Para fechar essa primeira etapa com chave de ouro, eles prometem algo especial. ?Os jurados cobram interpretação, coreografia e figurino. Vini, que é bem mais tradicional do que eu, quer levar a interpretação para esse lado?. O parceiro arremata: ?Nós vamos ter um toque de Lampião?.
Contudo, essa corrente de transformação, esse espelho que enxerga a dança para além do indivíduo, dos gêneros e de regras já estabelecidas, é o que eles miram lá na frente, quando refletem sobre o lugar para onde estão levando essa dança, que, no final das contas, é onde eles imaginam que o forró deve estar:
?O que eu espero do forró tem relação direta com o que eu quero para a minha vida. As bandeiras que eu defendo para a sociedade são as mesmas para a dança. Então, eu quero uma sociedade menos machista, menos homofóbica, menos racista, menos transfóbica. Eu quero que a gente chegue no nível de dançar por dançar. Porque é gostoso, porque é uma entrega. Que as pessoas não vejam mais essas diferenças entre os papéis. Que a dança seja fluída, compartilhada?, diz Marcos.
A reflexão de Júlio segue caminho semelhante e mostra sintonia parecida a que os dois demonstram no palco. ?Eu penso parecido, para não dizer igual. Até porque, mesmo sendo gay eu me sinto muito privilegiado por ser branco, por ser parte de uma classe social mais bem favorecida, ter estudado em boas escolas, morar em um lugar legal, enfim. Mas eu ainda fico espantando porque, para mim, é uma coisa tão natural, mas as pessoas não enxergam dessa forma. É diferente. Eu quero que isso não seja visto como algo diferente?.
Acompanhe nossas transmissões ao vivo e conteúdos exclusivos no www.aratuonline.com.br/aovivo, no facebook.com/aratuonline.