Cultura

OPINIÃO: Por quem as cordas dobram? O medo que Kannario desperta e a tentativa de criminalizá-lo

OPINIÃO: Por quem as cordas dobram? O medo que Kannario desperta e a tentativa de criminalizá-lo

Por André Uzêda

OPINIÃO: Por quem as cordas dobram? O medo que Kannario desperta e a tentativa de criminalizá-loFoto Nestor Carrera / Aratu Online

Igor Kannario colocou o pé na porta e tomou o Carnaval para si. Isso já havia acontecido em 2015 ? quando comandou pela primeira vez a pipoca na segunda-feira — e se repetiu novamente este ano. Curiosamente, ele anteviu o movimento e o anunciou em formato de verso, cunhado pelo próprio: ?Depois de nós, é nós de novo?.


Kannario ainda é a melhor novidade do Carnaval da Bahia. Enquanto se discute privatização do espaço público, em engenharia contratual envolvendo Prefeitura e cervejarias interessadas na exclusividade do negócio, o cantor comanda um contrafluxo que destoa desta lógica de mercado.


São milhares de pessoas em ondas gravitacionais ? destas recém descobertas pela ciência ? que orbitam um astro único. Lá, impassível, em cima do trio, Kannario xinga, grita, mostra os dentes e prega um discurso ainda despolitizado.


Se diz prejudicado pela indústria fonográfica, mas de bate-pronto afirma que: ?se tivesse dinheiro colocava minha música para tocar nas grandes televisões?.  É o argumento dos apocalípticos que tentam se integrar a um modelo que obrigatoriamente ainda não fazem parte.


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Ele é um manifesto em si. Uma força bruta que atrai milhares para o Campo Grande numa marcha de descamisados ? importante lembrar: a camisa vai na mão, colorida, e é girada ao primeiro pedido do cantor.


A classe média ainda não entendeu o que é Kannario. Mas sente a perda do espaço, do protagonismo e a invasão de uma massa que não costuma ver diariamente em seus espaços de convívio.


O argumento usado na tentativa de deslegitimar o cantor ? que não é novidade, registre-se — é a criminalização do mesmo. ?Bandido?, ?ladrão?, ?usuário de drogas? ? Kannario tem uma folha da cannabis sativa (a planta da maconha) tatuada no pescoço e foi preso, pelo menos duas vezes, com uma quantidade da droga em mãos.


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O cantor foi vaiado pelo bloco Largadinho, durante apresentação com a cantora Claudia Leitte. A camisa do bloco bloco custa entre R$ 500 e R$ 630


A droga, não pode-se perder de vista, tem sua interpretação associada à dimensão social do indivíduo. Em quantos camarotes, blocos e lanchas no circuito da festa foliões não se entregaram aos prazeres sensoriais dos lança-perfumes, doces e cocaínas?


A marcha dos descamisados avança, assusta e tentam contê-la. Em nome da ordem social.


Kannario é a desordem. O que bagunça, desfaz.


Mas ele, a exemplo do mundaréu que arrasta, só quer o básico: fazer parte, ser incluído.


É uma briga por espaço.


?Este ano foi o Carnaval começou a baixar as cordas?, me diz a menina bonita da televisão.


Não! As cordas continuam lá.


Intocáveis.


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