Cidadania

Por um mundo que trate melhor as nossas mães

Colunista On: Isabela SousaAtivista pela redução das desigualdades e fundadora do Move Bahia
Por um mundo que trate melhor as nossas mãesilustrativa/Pexels

Existem algumas datas ao longo do ano que nos proporcionam a oportunidade de parar e refletir sobre aquelas coisas que têm um significado profundo nas nossas vidas. Uma dessas datas é, sem dúvidas, o dia das mães. Momento de pensarmos nas lutas e nos sacrifícios diários que se impõem na rotina da minha, da sua e das mães de todos os brasileiros.


Em um país como o nosso, tão marcado por desigualdades em diferentes níveis, trazer uma criança ao mundo talvez seja o maior ato de esperança em um futuro que pode ser melhor que o presente. Mas, aqui, já constatamos um primeiro problema: trazer uma criança ao mundo e, principalmente, criá-la ainda é uma responsabilidade desproporcionalmente feminina no Brasil.


Dados do IBGE apontam a existência de pelo menos 11 milhões de mães solo no nosso país. No ano passado, especificamente, mais de 100 mil crianças brasileiras tinham sido registradas apenas pela mãe nos sete primeiros meses. Esses números revelam a cruel realidade de mulheres que enfrentam uma jornada dupla, ou muitas vezes tripla, para conseguirem dar conta de todas as suas demandas.


Com o devido cuidado para não romantizar uma situação que é uma tragédia da nossa sociedade, consequência do abandono parental, eu gostaria de registrar a minha admiração pelo esforço e pela luta de todas as brasileiras que criam seus filhos sozinhas. Quando afirmo que esse é um ato de esperança, talvez a maior expressão possível de altruísmo, é por pensar em todos os sacrifícios que uma mãe faz ao longo dessa jornada – especialmente as mães solo.


Mas eu também gostaria de expandir a reflexão para as mães de modo mais geral, sem distinção. Mesmo aquelas que contam com um marido presente para dividir as responsabilidades, como felizmente foi o caso da minha, a sociedade continua sendo pouco amigável a essas mulheres em diversas situações. Quem nunca ouviu, por exemplo, o argumento de que “mulher deve ganhar menos porque engravida”?


Enquanto pensamentos como esse continuarem predominando, será normal uma mulher perder a seleção de um emprego para um candidato homem apenas por causa do seu gênero, por exemplo.


O machismo é algo enraizado na nossa sociedade e, obviamente, todas nós somos afetadas de algum modo. Para as mulheres que são mães, porém, eu penso que esse problema histórico adquire uma nova camada. Em muitas pessoas, ainda há o pensamento de que a principal função de uma mulher é casar e ter filhos.


Consequentemente, formar uma família seria não apenas a principal, mas a única realização possível ao longo da vida. E não tenho dúvidas de que formar família é algo maravilhoso, só que não pode ser o único sonho possível para uma mulher.


Esse pensamento de que a mulher só pode ter como objetivo se casar e ser mãe, algo que é uma herança histórica, nos dias de hoje se reflete na dificuldade que muitas mães têm em acessarem e permanecerem no ensino superior, por exemplo.


Nesse sentido, inclusive, eu não consegui encontrar nenhum estudo que apontasse o número de mães que se matriculam nas universidades e quantas delas de fato conseguem concluir a graduação. Pode ser interessante que governos e instituições de ensino se engajem para fazer esse diagnóstico, de modo a elaborar políticas específicas para essa parcela da população.


Outra faceta, ainda mais cruel, do machismo que atinge as nossas mães é aviolência doméstica. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontaram que, no ano de 2020, cerca de 80% das tentativas de feminicídio no nosso país foram contra mães. Muitas vezes o agressor é o próprio marido ou um ex inconformado com a separação. Isso nos revela, novamente, as diferentes camadas do machismo que vão se acumulando e tornam ainda mais difícil a vida de uma mãe.


É triste escrever sobre assuntos tão dolorosos em uma data que deveria ser meramente de celebração. Ignorar o problema, no entanto, não fará com que ele desapareça. E, como afirmei no começo desta coluna, é importante aproveitarmos a oportunidade que datas como essa nos dão para promovermos uma reflexão mais profunda acerca daquilo que realmente importa nas nossas vidas. A minha proposta aqui, afinal, é usarmos todo o amor que sentimos pelas nossas para pensarmos em como tornar o mundo um lugar melhor para elas. Esse, certamente, é o presente mais duradouro que nós podemos dar.


Por fim, não poderia deixar de fazer uma menção direta à minha mãe, Dona Neuza, que é uma fonte inesgotável de inspiração para mim. Com ela, aprendi o valor de  nos importarmos com o próximo e do quão é importante fazermos o que nós amamos. No fim das contas, os ensinamentos passados pelas nossas mães nos ajudam a construir uma forma de ver o mundo e, a partir daí, agir nele. Tenho muito amor e gratidão por tudo o que minha mãe fez por mim e pelos valores que ela me passou. Anseio para que cada um de nós possa, à sua maneira, atuar para superar as dificuldades históricas impostas às mulheres que praticam o maior ato de esperança no futuro.


*Este material não reflete, necessariamente, a opinião do Aratu On.

Importante: Os comentários são de responsabilidade dos autores e não representam a opinião do Aratu On.

Isabela Sousa

Isabela Sousa

Ativista pela redução das desigualdades, filha mais velha de quatro irmãos e fundadora do Move Bahia. Essa é Isabela Sousa, uma jovem de Campinas de Pirajá que cresceu sentindo na pele as dificuldades de uma realidade periférica de Salvador. Hoje, é uma formanda em Direito que sonha pela igualdade de oportunidades e tem a educação como pilar das transformações que a sociedade precisa. Aos 25 anos, Isabela já foi embaixadora do movimento Mapa Educação, é Líder Estadual do Movimento Acredito e representou o Brasil no maior congresso de jovens líderes do mundo, o One Young World, em Londres.

Instagram: @isabelasousaba

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