Cidadania

Defender a democracia não combina com exclusão, violência e intolerância

Colunista On: Isabela SousaAtivista pela redução das desigualdades e fundadora do Move Bahia
Defender a democracia não combina com exclusão, violência e intolerância

Crédito da foto: Gabriel Galli/reprodução/Twitter

 


Nas últimas semanas temos acompanhado manifestações por todo o país contra as ações e omissões de Jair Bolsonaro durante a pandemia. Mesmo diante do momento delicado para a realização de mobilizações com uma grande concentração de pessoas, entendo o sentimento de todos que buscam alternativas democráticas para superarmos os desafios desse cenário de crise. 


Eu sempre estive do lado oposto ao governo Bolsonaro. Acredito que ele faz mal ao Brasil e é responsável por milhares de vítimas da Covid-19 em nosso país. Por isso, considero que todo tipo de manifestação democrática contra a conduta desta gestão é legítima e necessária neste momento. 


Ao mesmo tempo, presumo que as manifestações democráticas não podem ser restritas apenas aos que, assim como eu, sempre estiveram na oposição ao governo. Quanto mais cidadãos abraçarem essa luta, melhor! Inclusive, defender atos democráticos não deve limitar-se à defesa de querer caminhar ao lado só de pessoas que pensam igual a mim, até porque isso não é democracia. Defender mobilizações democráticas é defender o direito de todos.


Em geral, as manifestações são ações democráticas de natureza política, econômica e social que fazem parte da história das sociedades e podem ser responsáveis por grandes mudanças. Considero que toda manifestação construída com base nos pilares da democracia, tolerância e respeito ao próximo, sempre são relevantes atos de uma coletividade para expressar uma opinião a favor ou contra uma determinada causa. 


Entretanto, na última grande manifestação contrária ao governo Bolsonaro, realizada em centenas de cidades brasileiras, foram registrados, infelizmente, casos de conflitos, intolerância e ações nada democráticas por parte de uma pequena parcela dos manifestantes. E essa é uma ocorrência oriunda daqueles que acreditam serem os únicos detentores da pauta 'anti-Bolsonaro'. São militantes extremistas que têm ameaçado, intimidado e agredido pessoas que outrora apoiaram o atual presidente ou que não declararam publicamente voto contrário a ele.


Além de um ato de covardia, essas condutas expressam um radicalismo estúpido que afasta muitos dos que hoje também estão buscando uma saída para esse cenário dramático que vivenciamos. E diante disso, fico me perguntando: ora, se acreditamos que as manifestações de ruas são fundamentais como forma de expressão coletiva e também um exercício de democracia, por qual motivo deve-se tentar impedir que demais pessoas também se juntem a essa mobilização democrática?


O fato de parte dos brasileiros(as) terem concedido um voto crítico ao atual presidente, ou até mesmo o apoiado, não torna essas pessoas menos indignadas com a conduta do governo ou lhes tira o direito de mudar de opinião e agora manifestar-se contra ele. O direito à manifestação é um pilar da democracia, podendo ser exercido em qualquer lugar do país e assegurado a todos os brasileiros pela Constituição Federal de 1988. Todos(as), independentemente de suas escolhas políticas anteriores, devem continuar tendo a garantia de manifestar-se sem serem reprimidos ou agredidos.


Só em analisar esta situação conflituosa pelo ponto de vista da legalidade constitucional, já percebemos o quão não faz o menor sentido querer impedir que outras pessoas também se somem aos protestos. E quando observamos por uma perspectiva lógica de que quanto mais pessoas se somarem em uma manifestação contrária ao governo, maior será o efeito dessa mobilização para um bem comum, aí temos a certeza de que o caminho não deve ser o da hostilidade e exclusão. 


O atual presidente teve a maioria dos votos em 2018. Se não convertermos arrependidos em opositores, afastarmos estes do direito democrático de se manifestarem, talvez não alcancemos a mudança que esperamos. É importante, aliás, lembrar de uma citação atribuída ao ex-presidente Juscelino Kubitschek: “costumo voltar atrás, sim. Não tenho compromisso com o erro”. Nesse sentido, se temos pessoas arrependidas de terem votado em Jair Bolsonaro, há de se reconhecer a humildade de assumir o erro e trazê-las novamente para o cerne do debate democrático.


Em um momento em que discursos antidemocráticos e odiosos vêm sendo reproduzidos sistematicamente pelo presidente Bolsonaro já há algum tempo, não é minimamente razoável que uma pequena parcela das pessoas que vão às ruas se expressem de forma ultrajante e não acolhedora, talvez até assemelhando-se com o próprio causador dessas mobilizações e que, momentaneamente, ocupa a cadeira da Presidência da República.  


Tenho me colocado do lado contrário à gestão do governo Bolsonaro desde o princípio e acredito que o caminho para encontrarmos uma alternativa para fugir desse cenário incômodo será através do fortalecimento democrático em todos os espaços. E para isso, precisamos abaixar as armas e dialogar, principalmente com aqueles que pensam diferente ou estiveram de um outro lado em um momento anterior. Obviamente a construção desses ambientes precisam ser por meio de uma via de mão dupla, na qual todos estejam dispostos a ouvir, dialogar e fazer concessões.


Não há democracia sem a participação de todos e todas. Sem ouvir, dialogar e perdoar aqueles que estavam convictos de outra ideia no passado. Não precisamos de mais extremismos e violência, algo que já é amplamente reproduzido pelo atual presidente. O caminho agora deve ser o da busca pelo entendimento como os bons princípios da democracia mandam. 


Que a pandemia possa chegar ao fim o quanto antes e as mobilizações de rua sejam cada vez maiores, tornando-se um exemplo da busca pela unidade e equilíbrio para fugirmos dessa onda obscurantista, odiosa e polarizada.  E que, realmente, esse grupo que tenta impedir a presença de manifestantes de ideologias distintas, seja uma pequena parcela que não representa nem de longe o todo daqueles que acreditam num futuro melhor e mais harmonioso para o Brasil.


*Este material não reflete, necessariamente, a opinião do Aratu On.


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Isabela Sousa

Isabela Sousa

Ativista pela redução das desigualdades, filha mais velha de quatro irmãos e fundadora do Move Bahia. Essa é Isabela Sousa, uma jovem de Campinas de Pirajá que cresceu sentindo na pele as dificuldades de uma realidade periférica de Salvador. Hoje, é uma formanda em Direito que sonha pela igualdade de oportunidades e tem a educação como pilar das transformações que a sociedade precisa. Aos 25 anos, Isabela já foi embaixadora do movimento Mapa Educação, é Líder Estadual do Movimento Acredito e representou o Brasil no maior congresso de jovens líderes do mundo, o One Young World, em Londres.

Instagram: @isabelasousaba

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